sexta-feira, abril 22, 2005

No chão, nos olhos, na mente

Olhos no chão
Falta de confiança… Essa insegurança que nos faz dançar olhos postos no chão. Enquanto tentamos mostrar que estamos preocupados com aspectos práticos como o movimento dos pés, estamos na verdade a evitar um olhar crítico, um olhar que tememos que espelhe aquilo que sentimos. Frente ao nosso par, o peso esmagador da responsabilidade curva-nos o olhar. Movimentamo-nos com alguma dificuldade neste espaço denso do campo de visão. Mas, tudo é preferível a levantarmos o olhar e encontrarmos os nossos receios espelhados nos olhos à nossa frente.

Olhos nos olhos
Ultrapassados os quilómetros que separam o chão dos olhos do nosso par, hei-nos finalmente frente a frente. Ansiosos mas confiantes. Descobre-se uma nova dimensão, uma nova forma de dançar interagindo não só com o corpo do par, com a música, mas também com o olhar. Um jogo de sedução, um apoio na condução, um gesto simpático e carinhoso… Tantas são as riquezas de um olhar. Sobe-se um degrau na escada do prazer de salsar.


Olhos na mente
Ver para além dos olhos, sentir para além do corpo. Como já disse noutro post, os olhos são os espelhos da alma, são uma porta para o nosso interior. Dançar olhando para lá dos olhos do nosso par permite-nos antecipar os movimentos, escutar o nosso par, atender aos seus desejos num momento ímpar de cumplicidade. É nesta fase que o par se torna um.

A evolução, na salsa como na vida, está ao alcance de todos nós. Cabe-nos desbravar e percorrer o caminho que está à nossa frente.

terça-feira, abril 19, 2005

A clave

Toda a minha salsa tem sido dançada em função da tua clave. Tu marcas o ritmo, alimentas a música. No entanto, sempre me senti livre a dançar; livre porque tu és o alicerce que me dá confiança, livre porque me deixas criar e dançar livremente.

Uma clave compassada, firme, segura… Mas também sensível aos que dançam ao teu ritmo. Da mesma forma que um corpo são cresce num espírito são, também a minha dança cresce ao teu ritmo.

Ó clave, ó salsa… ó ritmo que bates dentro de mim. Por vezes afasto-me tanto a dançar que não te oiço. Mas estou errado. Embora julgo não te ouvir, a verdade é que a tua clave bate sempre dentro de mim. Em uníssono, criamos. Inseparáveis, eu danço para ti, minha salsa e tu tocas a clave para mim. Que prazer ouvir-te, dançar-te e tocar-te de leve no corpo. Que prazer sentir que me envolves com a tua música, me pegas com o teu ritmo e me elevas… Suplanto-me por ti. Suplanto-me por causa de ti.

Que falta me faz o teu toque quando a música baixa de volume. Que falta me faz o teu som quando o barulho de fora me perturba. Que falta me fazes quando não estou contigo. Que falta me fazes quando estou contigo.

Anda, vamos, liberta a tua clave, inunda-me com o teu ritmo, deixa-me vibrar com a tua salsa. Estamos juntos um momento, estamos juntos para sempre. A tua clave guia-me e guiar-me-á sempre pela dança fora. Quanto mais fundo te oiço, mais alto me liberto. És o meu “fogo que arde sem se ver”.

Não fiques aí, marcando a mesma clave julgando que os outros instrumentos não te seguirão. Tu és a clave, o alicerce da nossa salsa. Ao teu ritmo eu danço, ao teu ritmo os instrumentos criam. Ao teu ritmo a vida avança. É bom estar ao teu lado. É bom ter-te ao meu lado.

A salsa sem clave não seria salsa, a vida sem ti não seria vida. Obrigado, minha clave por estares ao meu lado… Por ti danço, por ti vivo.

sábado, abril 09, 2005

Sentir antes de sentir

Por vezes, durante uma dança, a fluidez com que os passos são feitos leva a crer que ambos adivinham o passo seguinte antes deste ser feito. Como se pode obter este tipo de harmonia quase perfeita durante uma dança? Como chegar ao ponto em que deixamos de saber se somos nós que conduzimos ou é a música que o faz?

Por vezes, o homem centra a sua atenção nos movimentos que deve fazer; por vezes, o homem centra-se no ritmo da música; por vezes a mulher centra-se no seu styling; tantas são as vezes em que a atenção do par está tão longe do ponto fulcral: a ligação entre o par. Claro que para chegar a este ponto, há que percorrer um caminho. Inicialmente, todos temos de estar mais concentrados nos movimentos que estamos a fazer do que em qualquer outro aspecto da dança. Mas esta é, ou melhor, deveria ser uma fase transitória. Enquanto bebés a nossa maior preocupação ao andar seria o equilíbrio para colocar um pé à frente do outro; felizmente, hoje não andamos assim… evoluímos. Na salsa, como na vida, deveríamos procurar fazer o mesmo.

A nossa vontade prolonga-se para além do nosso corpo. Propaga-se pelo olhar, pelo toque e até pelo espaço... O espaço ocupado pelos dois corpos que dançam deve ser um templo. Um templo onde duas vontades, duas energias se cruzam e se harmonizam. Da mesma forma que duas pessoas que caminham lado a lado harmonizam a passada e mesmo o ritmo de respiração. Ao estar alerta para esta forma de harmonia, a ligação entre um par torna-se “sentir antes de sentir”, “fazer depois de estar feito”. Cada movimento executado é fruto daquilo que a ligação entre os dois dita. Não tem origem na vontade de um, não tem origem na vontade do outro; tem origem no toque, no olhar e no espaço entre ambos. Fazer um movimento… depois de ele já estar feito e sentido… como pode correr mal?

Esta é a essência da salsa.
Esta é a essência da vida.