Ao (des)sabor da corrente
Por vezes, na salsa, a música muda e entorpece-me. Durante um crescendo de prazer, em que tudo parece perfeito, a música puxa-me o tapete. Inexplicavelmente, muda a música; muda a música, muda tudo. Perco o prazer de dançar, perco-me a mim. Sinto-me amarrado a uma letargia forçada. Tento reagir, mas a salsa é suprema. Os seus tentáculos envolvem-me, agora não numa orgia de sensações, mas abafando-me e isolando-me. Porquê, minha salsa?
Agora que julgava saber todas as respostas, mudaram as perguntas...
Terei de me resignar à espera que também de forma abrupta a música volte a mudar?
Rejuvenesço a dançar, envelheço neste torpor. Enquanto presiste este ritmo monocórdico, dilúi-se a memória da última salsa que dancei. Que saudades de me abandonar à salsa, de dançar intensamente. Ó música. porque mudaste?
Aquilo que maior prazer me dá, tem o poder de o poder retirar... Poderá a salsa ser injusta?
Não, não quero prolongar mais esta dor, não vou cair na letargia do hábito. Ahhhh... ouvem o mesmo que eu? É aquele instante antes de acontecer algo, durante o qual sentimos a sua aproximação. A música está prestes a mudar. Agora. O cansaço do corpo escorre, consigo erguer uma mão e tocar de leve na música... Oh, salsa, inspira-me! Deixa-me louvar-te, deixa-me erguer-me e erguer-te. Após a primeira batida, tudo isto estará já esquecido e abandonar-me-ei à salsa... ou não?
Na salsa... como na vida.