sábado, outubro 30, 2004

Ao (des)sabor da corrente

Por vezes, na salsa, a música muda e entorpece-me. Durante um crescendo de prazer, em que tudo parece perfeito, a música puxa-me o tapete. Inexplicavelmente, muda a música; muda a música, muda tudo. Perco o prazer de dançar, perco-me a mim. Sinto-me amarrado a uma letargia forçada. Tento reagir, mas a salsa é suprema. Os seus tentáculos envolvem-me, agora não numa orgia de sensações, mas abafando-me e isolando-me. Porquê, minha salsa?

Agora que julgava saber todas as respostas, mudaram as perguntas...

Terei de me resignar à espera que também de forma abrupta a música volte a mudar?
Rejuvenesço a dançar, envelheço neste torpor. Enquanto presiste este ritmo monocórdico, dilúi-se a memória da última salsa que dancei. Que saudades de me abandonar à salsa, de dançar intensamente. Ó música. porque mudaste?

Aquilo que maior prazer me dá, tem o poder de o poder retirar... Poderá a salsa ser injusta?

Não, não quero prolongar mais esta dor, não vou cair na letargia do hábito. Ahhhh... ouvem o mesmo que eu? É aquele instante antes de acontecer algo, durante o qual sentimos a sua aproximação. A música está prestes a mudar. Agora. O cansaço do corpo escorre, consigo erguer uma mão e tocar de leve na música... Oh, salsa, inspira-me! Deixa-me louvar-te, deixa-me erguer-me e erguer-te. Após a primeira batida, tudo isto estará já esquecido e abandonar-me-ei à salsa... ou não?

Na salsa... como na vida.

terça-feira, outubro 26, 2004

Deitar fora a fruta, comer o caroço

Ao dançar salsa, haverá algo mais intenso, mais belo, mais delicado do que a condução do par? Uma salsa poderá ser absolutamente mágica sem o condão da condução? Julgo que não!

Pegue-se num par de salsa, retire-se o prazer de conduzir e ser conduzida; é como pegar numa apetitosa peça de fruta, deitar fora a polpa e comer o caroço! Por que será que tantos pares de salsa se contentam em comer o caroço? Da minha parte, não consigo conceber dançar o mais lento son ou a mais frenética salsa sem tentar desfrutar plenamente da condução do meu par ao som do “Sonero” ;)

No entanto, pensando bem, ao longo da história temos tantos exemplos de oportunidades desperdiçadas pelo homem; tantas vezes o Homem tem algo de valioso nas mãos e desperdiça-o descuidadamente...

Teremos pouca capacidade de concentração? Seremos preguiçosos? Por que razão não desfrutamos plenamente do nosso par e da música? Ou simplesmente por que razão não nos preocupamos sequer com este assunto?

Gostava de saber a vossa opinião sobre conduzir e ser conduzida...

sexta-feira, outubro 22, 2004

Versos sencillos

José Julián Martí Pérez, apóstolo da Independência de Cuba, nasceu em La Habana a 20 de Janeiro de 1853. A biografia de Martí é uma das mais ricas e emblemáticas de Cuba. Artista, intelectual e patriota, guia de homens e vanguardista de uma época. De forma a resgatar a fundação da pátria Cubana, é necessário e mesmo imprescindível honrar a ideologia do seu apóstolo, símbolo da luta pela independência de Cuba na altura sob domínio espanhol.

Os “versos sencillos” (1891) são versos onde nada falta e nada sobra.

Yo soy un hombre sincero
De donde crece la palma,
Y antes de morirme quiero
Echar mis versos del alma.

Yo vengo de todas partes,
Y hacia todas partes voy:
Arte soy entre las artes,
En los montes, monte soy.

Oculto en mi pecho bravo
La pena que me lo hiere:
El hijo de un pueblo esclavo
Vive por él, calla, y muere.

Con los pobres de la tierra
Quiero yo mi suerte echar:
El arroyo de la sierra
Me complace más que el mar.

Si ves un monte de espumas
Es mi verso lo que ves:
Mi verso es un monte,
y esUn abanico de plumas.

Mi verso es como un puñal
Que por el puño echa flor:
Mi verso es un surtidor
Que da un agua de coral.

Mi verso es de un verde claro
Y de un carmín encendido:
Mi verso es un ciervo herido
Que busca en el monte amparo.

Mi verso al valiente agrada:
Mi verso, breve y sincero,
Es del vigor del acero
Con que se funde la espada.

Yo quiero, cuando me muera,
Sin patria, pero sin amo,
Tener en mi tumba un ramo
De flores,- y una bandera!

¡Penas! ¿quién osa decir
Que tengo yo penas? Luego,
Después del rayo, y del fuego,
Tendré tiempo de sufrir.

Yo sé de un pesar profundo
Entre las penas sin nombres:
¡La esclavitud de los hombres
Es la gran pena del mundo!

Cultivo una rosa blanca,
En julio como en enero,
Para el amigo sincero
Que me da su mano franca.

Y para el cruel que me arranca
El corazón con que vivo,
Cardo ni oruga cultivo:
Cultivo una rosa blanca.

Tiene el leopardo un abrigo
En su monte seco y pardo;
Yo tengo más que el leopardo,
Porque tengo un buen amigo.

Tiene el señor presidente
Un jardín con una fuente,
Y un tesoro en oro y trigo:
Tengo más, tengo un amigo.

Vierte, corazón, tu pena
Donde no se llegue a ver,
Por soberbia, y por no ser
Motivo de pena ajena.

Yo te quiero, verso amigo,
Porque cuando siento el pecho
Ya muy cargado y deshecho,
Parto la carga contigo.

¿Habré, como me aconseja
Un corazón mal nacido,
De dejar en el olvido
A aquel que nunca me deja?

¡Verso, nos hablan de un Dios
Adónde van los difuntos:
Verso, o nos condenan juntos,
O nos salvamos los dos!

segunda-feira, outubro 11, 2004

Dá-me a tua mão

Dá-me a tua mão, vem dançar
Vamos sentir juntos esta salsa, esta rumba
Tão pouco da tua mão eu toco
E tão intenso o que através dela sinto
Sinto que sentes, sinto que sinto

Dá-me a tua mão, vem dançar

Danço por fora, danço por dentro
Pela tua mão, faço-te dançar
Pela tua mão, fazes-me dançar

Vem, anda, dá-me a tua mão

E, quando a tua mão se une à minha
Juntas criam algo maior do que tu e eu
Essa é a riqueza do momento
Que transforma a salsa numa vida
E a vida numa salsa

Dá-me a tua mão, vem dançar...

quinta-feira, outubro 07, 2004

O tacto e o contacto

Por meio do tacto com o ambiente, experimento os limites do meu organismo, vivencio a minha forma corporal exterior, o que me permite a identificação comigo mesmo. Além disso, o tacto fornece informações essenciais sobre o mundo que nos rodeia – formas, temperatura, consistência – sobre as numerosas sensações provenientes do exterior – pressão, choque, golpes – e sobre a comunicação não-verbal, como por exemplo sensações de ternura, dor, indiferença ou agressão.

Enquanto através do tacto permanecemos na periferia da pele, pelo contacto ultrapassamos conscientemente o limite visível do nosso corpo. Através do contacto incluímos na nossa consciência o campo magnético perceptível e electricamente mensurável do espaço que nos rodeia. É assim que podemos ter um contacto real com os seres humanos, os animais, as plantas e os objectos através da sua “fronteira” exterior, mesmo quando não os tocamos directamente. Ampliando desse modo as nossas possibilidades de experiência, podemos atingir uma relação mais viva com os seres e as coisas.

Esse contacto consciente tem, sobre as mudanças no tônus, na circulação e no metabolismo, uma influência mais forte do que o tacto. O contacto com o parceiro de dança (por exemplo), com as suas mãos, leva a uma harmonização das tensões emocionais.

Esta situação é facilitada pela existência da música; sendo difícil criar um equilíbrio de contacto entre duas pessoas, esta surge como uma ponte entre os dois. A música torna-se num elemento favorável ao contacto. Sentindo o mesmo ritmo, a mesma percussão, as tensões emocionais de ambos tendem a equilibrar-se, abrindo as portas para uma exploração sensorial do seu próprio corpo bem como do espaço que o rodeia.

A dança pode ser uma experiência enriquecedora; basta para isso estar alerta.