Começa a música; a clave ecoa dentro do meu corpo e fá-lo vibrar. Percorro a sala com um olhar e lá estás tu, de pé, também a sentir a clave que bate dentro de ti. Antes de dar por isso já atravessei rapidamente a sala e estendi-te delicadamente a mão. Faz-se a ligação. As nossas batidas começam a harmonizar-se. Frente a frente, a clave, tal como uma rajada de vento, desloca-nos num passo base preparatório. Sinto a tua mão, e através dela o teu corpo. A pouco e pouco, o teu corpo abandona-se à condução, os teus gestos parecem fluir não de ti, mas directamente da música. O teu olhar cruza-se com o meu e isola-nos do mundo. Ficam a música, tu e eu.
Quando me apercebo, já não sou eu que conduzo. Leio a tua mão, leio o teu olhar e és tu que pedes o próximo movimento.
Surge um sorriso na tua cara que ilumina o espaço em que dançamos. A música parece estar a sair de dentro de ti. Eu abandono-me também à música, a ti. Quem será que está a conduzir esta dança? Não há pressão entre as nossas mãos, um corpo torna-se a continuidade do outro. Uma música, um par, um corpo.
Tenho de voltar á terra. Tu fazes-me flutuar e esquecer-me de tudo... mas há outros pares na pista a dançar e alguns bem pouco cuidadosos. Mas não consigo voltar á terra; vou entreolhando os outros pares mas sinto que o nosso balão já partiu. Durante grande parte da música, não sinto nada, sinto tudo. Não penso em nada, penso em ti, penso na música, penso em tudo.
Será que estás a sentir o mesmo que eu? Eu já não sinto o meu corpo, já não sinto o teu. É a metamorfose perfeita. E esse teu sorriso que cresce. Ouvem-se risos: foste tu ou fui eu que o soltou? Devo ter sido eu, pois é um prazer dançar contigo, sentir a delicadeza, a força, a fragilidade e a energia das tuas mãos. Rodamos para a um lado, rodamos para o outro, os braços giram e voam, mas sempre se encontram com precisão, firmeza e sensualidade. Como disse uma vez um grande actor num grande filme: “You make me wanna be a better man”...
De repente, termina a música... cada um de nós flui de novo para dentro do seu próprio corpo. Olhando para o teu sorriso, só consigo dizer “obrigado”. Um último olhar de uma cumplicidade que começou e acabou com a música. Foste a minha deusa nesse período.
Começa a próxima música; a clave ecoa...